
Ai isto da velhice… Há quem sofra só de pensar nela, há quem fuja a achar que a pode enganar e são muitos os que a tratam como um aviso de recepção do fim. Os meus olhos têm-na visto com muita gratidão, palavra batida deste século eu sei, mas é a que melhor descreve esta oportunidade que nos dão para uma despedida mais demorada. Quantos não tiveram esta sorte.
Atenção, a Shiba não se vai hoje. Nem amanhã que eu não deixo. Mas se muitos tratam a morte como a palavra que jamais deve ser mencionada, eu prefiro aceitá-la, reconhecer os tempos que vivo e ser todos os dias consciente de que ela pode, de facto, já não estar cá amanhã. Durante muito tempo imaginar a vida sem ela parecia impossível. E era caso para um futuro tão distante que não podia sequer entrar na lista de preocupações. Tirava-me o ar, o chão e tudo o que sobrasse. Hoje não. Hoje vejo todas as mãos que a esfregaram nos pêlos brancos, vejo todos os passeios que fizémos nas patas que tremem, vejo todas as sestas ao sol nos olhos que pesam. Vejo vida, tanta vida. E que boa que foi. O cão do povo como sempre a chamei. Já foi tanto em tão pouco tempo que não teria sequer o direito de lhe pedir mais. A Shiba não é só um corpo, é uma energia diferente, uma paz sem fim. Ou talvez tudo isto seja só a história bonita que conto a mim própria para não imaginar perder o chão. Para não desperdiçar o tempo que tenho a massacrar-me antecipadamente. Seja como for, tenho a certeza de que a vou sentir sempre, mesmo quando não lhe puder sentir o pêlo, vou conseguir sentir a Shiba, a energia diferente, a paz sem fim.
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